Gabriel Grabowski
Professor e pesquisador da Universidade Feevale
Presidente do Conselho de Desenvolvimento Regional do Vale do Rio dos Sinos (Consinos) e membro da Diretoria da AESUFOPE

 

Em 2016, portanto há oito anos, foi imposta pela MP nº 746/2016 a terceira reforma no Ensino Médio em duas décadas. O “Novo” Ensino Médio (NEM) instituiu um compromisso de aumentar a carga horária para 3.000 horas (que no RS já vigora desde 2012) e implementar uma política de educação integral (7h por dia) nos anos subsequentes. Logo, esta reforma implicava aumentar os investimentos em educação considerando a elevação da carga horária (CH) e, consequentemente, demanda mais professores e funcionários nas escolas. 

Porém, no mesmo governo Temer (2016-2018), proponente da reforma e, no governo Bolsonaro (2019-2022), medidas de impacto no serviço público e na educação foram implementadas que se contradizem e inviabilizam o NEM. As medidas foram: a  EC 95/2016 (“Teto de Gastos”); a EC 109/2019 (“Controle das Despesas Públicas”); a PEC 13/2021 que desobriga cumprimento dos gastos mínimos constitucionais com MDE; a PEC 32/2020, atualmente em debate no Congresso brasileiro; às PECs 45/2019 e 110/2019 (Reforma Tributária) e a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017).  

O “Gasto por aluno no Brasil é o 3º pior entre 42 países”, conforme relatório do Education at a Glance 2023 da OCDE. Os investimentos no Brasil foram reduzidos entre 2019-2020, inclusive na pandemia. Em média, nos países da OCDE, a despesa dos governos com educação cresceu 2,1% neste período e a despesa total dos governos 9,5%. No Brasil, o gasto com a educação diminuiu 10,5% no mesmo período, enquanto o gasto com todos os serviços aumentou 8,9%. Isto revela qual era verdadeiramente a prioridade do Estado brasileiro e dos governos de implementar tais reformas.

Adentramos em 2024 no oitavo ano da vigência do NEM, cuja implementação atrasou, começou nas escolas somente em 2022 em plena pandemia, com escolas não equipadas de laboratórios e conectividade, sem prévio planejamento curricular com os estudantes e professores, várias matrizes curriculares diferentes e com itinerários alterados no decorrer de cada novo ano letivo. 

Temos no Brasil hoje um Ensino Médio diferente em cada Estado da federação e no Distrito Federal. A Formação Geral Básica (FGB) não pode ultrapassar 1.800h. Os denominados itinerários formativos (IFS) e trilhas completam a CH com mais de 602 ofertas distintas. O governo atual enviou um Projeto de Lei em 2023 ao Congresso Nacional propondo alterar a reforma e restabelecer, entre outras medidas, a CH de 2.400h para FGB e 600h para optativas (itinerários). Porém, o Congresso resiste por pressão do Conselho de Secretários (CONSED) e fundações empresariais.

A Portaria da SEDUC/RS nº 551, de 29/12/2023, apresenta uma série de componentes de “aprofundamento curricular” nas 1.200h destinada aos itinerários, tais como: Mentoria, Estudos Orientados, Eletivas da Base, Eletiva Pré-Itinerário, Pós Médio, Responsabilidade Social e outras perfumarias similares. Ou seja, mudou para continuar com a mesma lógica e essência do NEM.

Enquanto o Ensino Médio público encurta ou elimina matérias importantes para a formação dos estudantes, as escolas privadas não seguem a mesma política, o que garante vantagens competitivas aos seus estudantes para o ingresso no Ensino Superior e mesmo para conseguir empregos mais qualificados após o Ensino Médio. Uma situação perversa, que não contribui para reduzir a desigualdade social no Brasil.

O Censo da Educação Básica de 2023, divulgado dia 22/02/20, que já envolve dois anos do NEM, apresenta resultados tão preocupantes como os anteriores: queda de 2,4% nas matrículas nacionais, educação tempo Integral (TI) de 7h diária cresce lentamente, porém, os estados da região Sul (RS, PR e SC) ocupam as últimas posições acompanhadas pelo DF, sendo o RS o 2º pior estado do Brasil na oferta de matrículas de tempo integral.

A carreira docente está sendo inviabilizada e destruída. Nos últimos 16 anos, segundo Relatório do Observatório da Educação Pública do RS, ocorreu uma queda de 57,7% de professores efetivos na rede estadual. Articulando este dado, com a ausência de concursos públicos e crescimento de contratos emergenciais, mais a municipalização do Ensino Fundamental em curso no Estado, fechamento de escolas estaduais, o novo marco legal da educação do RS aprovado em dezembro de 2023, a mudança no CEEd-RS com aumento de representantes do Executivo e o fim de sua autonomia enquanto órgão regulador, além das parcerias público-privadas do NEM nas 1.200h diversificadas, cumprem-se os objetivos das medidas constitucionais acima citadas, quais sejam: redução curricular, redução de servidores, privatizações, redução de investimentos e gastos públicos em políticas sociais – especialmente na educação básica – e destinação dos fundos público para reprodução do capital privado. 

Milhões de estudantes que fizeram o ENEM em 2023 não tiveram aula durante a metade do Ensino Médio. Eles mesmos relataram que um itinerário sobre sustentabilidade envolvendo o empreendedorismo com sucata e fabricação de tijolos não é “aula”. A pesquisadora da Faced/Ufrgs, Beatriz Luce, corrobora: “o grande problema (do novo Ensino Médio) é a desigualdade. Defendo o currículo por áreas de conhecimento, mas isso não retira a importância de haver disciplinas para o aprofundamento em matemática, física, química, história, geografia e sociologia”.

Então, pense conosco: a quem interessa reduzir a formação básica dos jovens no Ensino Médio? Segundo Fernando Cássio e Daniel Cara, pesquisadores da USP, a reforma somente interessa às elites, representadas por especialistas em educação fabricados por institutos e fundações empresariais, que propuseram e defendem a atual reforma do Ensino Médio, e seguem convencidos de que devem surrupiar horas-aula de formação científica de estudantes de escolas públicas para “modernizar” o currículo.

As orientações curriculares das BNCCs: da Educação Infantil e Ensino Fundamental, do Novo Ensino Médio (incluindo o RCGEM do RS), como a BNC-Formação, estão destruindo a educação básica no Brasil. Pagaremos um preço irreversível na formação dos estudantes e na carreira docente.

 

Publicado na revista Letras da Terra – Ed. 68 – Março de 2024